CONTO
Por Sônia Pillon
Ele chegou com aquele jeito de sempre, sorrateira e desajeitadamente, girando a bengala com uma mão e coçando o bigodinho com a outra. O mesmo terno surrado, o mesmo chapéu coco, as mesmas calças largas, os mesmos sapatos, grandes e furados… Mal tinha amanhecido, e os operários do primeiro turno chegavam um a um, preparados para assumir seus postos. As exportações voltaram com força total e era preciso produzir, mais e mais…
Carlitos olhava tudo e parecia não entender nada, ao ver o uniforme azulão dos operários e as estranhas máquinas controladas por eles, tão diferentes das que operava antes! Seus olhos pareciam que iam saltar das órbitas, de tão arregalados! Mas afinal, que fábrica era aquela, com aquelas máquinas, que só faltavam falar?! Estranhou, acima de tudo, que todos usavam máscaras. Não entendeu também porque haviam frascos de um líquido gelatinoso e incolor em vários pontos da fábrica para o uso dos operários, mas seguiu caminhando pelo chão de fábrica…
Reparou que nas paredes haviam cartazes alertando sobre acidentes de trabalho e avisos de todo tipo, incluindo a obrigatoriedade no uso de máscaras, higienização constante das mãos e distanciamento dos colegas por causa de um tal de Coronavírus. Arregalou os olhos. – Mas que vírus é esse?! Nunca ouvi falar! Deve ser muito perigoso, pelo jeito, pensou Carlitos, com um certo temor.
Ele via tudo, mas estranhamente ninguém o enxergava, apesar de correr de um lado para o outro, e de chegar a parar em frente de um operador de máquinas e de um homem que parecia um coordenador de equipe que a tudo conferia.
De repente, a sirene interna toca e todos saem às pressas para o prédio do refeitório, e mais uma vez Carlitos ficou admirado… – Quanta diferença do tempo em que trabalhava na fábrica e tive aquele colapso nervoso! Ah, os tempos modernos…Se eu tivesse aproveitado mais as minhas folgas naquela época, com mais qualidade de vida, com certeza eu teria vivido bem mais e melhor! Só trabalhar, trabalhar e trabalhar, não vale a pena!, pensou Carlitos, enquanto se afastava, rumo ao horizonte.
– Eu devo estar muito estressado, mesmo, porque parece que vi o Charles Chaplin andando pela fábrica, imagina!, disse João ao colega Adilson.
– Não esquenta não, João! É o espírito do Carlitos que volta e meia vem aqui lembrar a gente que pra viver bem é preciso cuidar da saúde, não esquecer do lazer e das pessoas que realmente importam, como a família e os amigos verdadeiros.
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