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Empresária vítima de câncer deixa carta para a família – ‘Minha hora chegou’
Li, certa vez, que “o luto é o preço do amor”
14/03/2023
“Minha hora chegou. E tá tudo bem, gente.” Essas palavras são da empresária Juliana Carvalho Lopes, 45, que morreu vítima de um câncer no início do mês. Sob cuidados paliativos, ela escreveu uma carta para amigos e familiares se confortarem após a morte dela.
“Foi uma surpresa. Na última semana, quando estava já em uma situação que sabia que era a final, ela mandou um e-mail para as irmãs e no assunto orientava a não ler o texto, só depois da morte dela. Quando ela morreu, abrimos o e-mail”, conta ao UOL Márcio Antunes, 47, viúvo de Juliana.
Um dos pedidos da empresária era o de que a carta fosse lida no funeral — e assim aconteceu.
É uma situação muito triste, mas, ao mesmo tempo, nos conforta saber que ela estava ao nosso lado. Foi muita emoção, Márcio Antunes
“A carta inclusive aumentou demais a admiração que eu já tinha por ela. Ela teve um altruísmo muito grande, mesmo no momento mais difícil da vida dela. Serviu também para ressignificar a morte dela com os nossos filhos.”
Márcio e Juliana estavam juntos havia 32 anos. Eles são pais de uma jovem de 22 e de um rapaz de 19. Durante o funeral, a família imprimiu cópias da carta de Juliana para distribuir. “Estávamos sofrendo demais e quem estava nos consolando era ela, com a carta.”
Juliana descobriu o câncer no intestino em 2019. Ela iniciou um processo de quimioterapia, passou por algumas cirurgias, mas o prognóstico não melhorava.
Ela lidou a maior parte do tratamento de uma forma bem tranquila. Ficava mais debilitada nos períodos de quimioterapia, mas nunca lamentou ou desistiu. Eu sofria calado, porque não queria entristecê-la
Juliana narrou grande parte do tratamento nas redes sociais. No entanto, a página foi invadida e a família perdeu todos os relatos.
“No período da pandemia ela escrevia crônicas quase todos os dias. A gente sempre falava que faria um livro. Estamos começando a mexer no computador para ver se ela deixou mais algo salvo e, se recuperarmos, faremos essa homenagem. Ela escrevia muito bem.”
Despedidas graduais
O último ano para o casal foi de uma despedida gradual. Márcio e Juliana moravam juntos, enquanto a filha vivia em Florianópolis e o filho, em São Paulo.
“A gente saía, chegava de madrugada e eu brincava: eu estou velho, não aguento mais ressaca. Passamos a ter uma vida intensa de curtição, de sair com os amigos”, conta Márcio.
Não falávamos como se fosse um acordo, mas ambos sabíamos que estávamos fazendo nossas despedidas. Vivemos o ano muito intensamente. Eu digo que foi um ano de namorados
Os mesmos cuidados de despedida também ocorreram com outros familiares. “Ela foi, de uma forma muito sutil, preparando cada um. Ela tinha uma preocupação muito grande com a mãe, que é muito religiosa e acreditava muito em um milagre. Então, ela teve de contar do jeito dela que isso não aconteceria — e ajudou no processo.”
Para Márcio, ficaram as boas memórias e os exemplos que Juliana deixou.
Eu me perguntava muito porque isso estava acontecendo com ela. Mas, aos poucos, ela foi ensinando a gente a entender melhor esse processo de vida e morte. Agora terei de entender como é a vida longe dela
Leia a carta na íntegra:
“A minha hora chegou. E tá tudo bem, gente. Tive a oportunidade e o privilégio de me preparar pra ela. Me redescobrir e receber o melhor das pessoas. Essa é uma despedida honesta e, absolutamente, grata. A despedida de uma vida linda, cheia de sentido, de amor e das pessoas mais especiais que eu poderia ter tido o privilégio de conviver. Minha família, minhas amigas e amigos e tanta gente, que apesar da pouca intimidade, se fez tão presente, com gestos, palavras, orações, força.
Durante o tratamento, passei por muitas fases aqui dentro de mim. E, felizmente, encontrei as minhas próprias ferramentas psíquicas para lidar com o câncer e com as pessoas da minha vida. E fui sustentada pela força, o afeto, a parceria e o amor de vocês, cada um à sua maneira. E passei a tentar compreender os sentimentos e emoções das pessoas que me cercam, me atrevendo a entender e experimentar, de forma objetiva, racional, mas também, empática, o que sente o outro. Pra mim, funcionou, espero que pra vocês também. Uma certeza, morri cheia de gratidão no coração e cercada das melhores pessoas.
Aliás, se eu puder deixar um pedido, desmistifiquem o câncer ou outra doença grave. Desmistifiquem a morte, afinal, ela é o maior clichê da nossa vida. Meu objetivo, desde o meu diagnóstico, foi desmistificar a doença, o processo e o fim da vida. Acho que funcionou, vocês entenderam e eu vivi os últimos anos com dignidade e alegria, apesar do câncer. E como eu sempre repetia – com todo respeito à dor e à maneira que cada um tem de lidar com seus perrengues – é possível, sim, ser feliz com câncer. Eu fui.
Um recadinho para quem me acompanhou no trecho: Sei, humildemente, que sentirão saudades da minha presença, das minhas patifarias, da nossa convivência, eu já estou? Mas, espero que se apeguem às nossas pequenas lembranças, nossos momentos de alegria e risadas, nossas trocas. Construam nossas memórias. Espero ter deixado material pra isso. Para carregarem um pouquinho de mim em cada um de vocês (só a parte boa!), mas com alegria, sem drama. Vocês sabem que drama nunca foi meu forte.
Li, certa vez, que “o luto é o preço do amor”. Eu só posso agradecer o tanto de amor que vocês me dedicaram. E desejar que vocês, meus amados e amadas, vivam esse luto, do jeito mais leve e alegre que vocês puderem, assim como eu levei a vida.
Sabe qual é a maior homenagem que vocês podem fazer a mim? É honrar as suas próprias vidas, com honestidade nas relações, alegria, integridade, empatia, amor e muita diversão, claro! Aliás, depois da minha despedida, se juntem e vão tomar um chopp, ouvindo um samba e falando bem de mim. O da minha mãe é escuro.
Eu deixo chorarem a minha partida, faz parte. Mas, acima de tudo, celebrem a minha vida. Estou em paz. Fiquem também.”
Conteúdo publicado por UOL
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