Sônia Pillon é jornalista e escritora, formada em Jornalismo pela PUC-RS e pós-graduada em Produção de Texto e Gramática pela Univille. Integra a AJEB Santa Catarina. Fundadora da ALBSC Jaraguá do Sul.
Conto: O sequestro do Papai Noel
“Temos que nos apressar, porque ainda falta o centro comunitário da Vila Progresso. Nessa hora já estão todos nos esperando”, lembrou o comerciante Tenório, que há mais de três décadas se transforma em Papai Noel e leva alegria às crianças carentes da capital. Nesses dias que antecedem o Natal, ele…
20/12/2024
“Temos que nos apressar, porque ainda falta o centro comunitário da Vila Progresso. Nessa hora já estão todos nos esperando”, lembrou o comerciante Tenório, que há mais de três décadas se transforma em Papai Noel e leva alegria às crianças carentes da capital. Nesses dias que antecedem o Natal, ele reúne um grupo de voluntários e parte com a camionete lotada de presentes pelos bairros da periferia, ansiosamente aguardado. Sabe que para muitos, será o único brinquedo recebido e por isso, se apressa em cumprir o roteiro, meticulosamente preparado. E finalmente o grupo liderado pelo Bom Velhinho chegou ao destino, alvoroçando a criançada, que gritava e pulava em volta do Noel.
Papai Noel, o personagem que quer ver sempre as crianças felizes no Natal. Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo
Lúcia pegou o presente com um sorrizão, na certeza de que seria uma boneca. A amiga Ana pediu um vestido e também ganhou um modelo estampado com flores miúdas, de algodão. José recebeu uma bola de futebol e já saiu jogando, numa alegria só! Outro que comemorou o uniforme do time do coração foi o Ronielson, que sonha ser um jogador famoso. E assim aconteceu com cada uma das crianças do centro comunitário. “Receber abraços de agradecimento dessas meninas e meninos não tem preço”, pensou, enquanto sorria e abanava para a molecada.
Quando o último pacote foi entregue, chegou a hora de se despedir com um Ho Ho Ho em alto e bom som. “Ano que vem eu volto!”, prometeu, e foi efusivamente aplaudido pelas crianças e pelos pais, agradecidos. Alguns até tinham os olhos marejados pela expressão de felicidade no semblante dos filhos.
Momentos de apreensão
O próximo destino era o Morro da Caixa D’água, a última entrega daquela noite. Enquanto a camionete ia se aproximando à entrada da sede da Associação dos Moradores, Tenório sentiu um aperto no peito, uma apreensão inexplicável. “Rápido, rápido, é melhor não facilitar, porque essa semana assaltaram o Papai Noel e carregaram tudo no meio do caminho. Foi uma choradeira naquela escola”, lembrou, indignado. Mas, felizmente nada aconteceu e tudo transcorreu bem. Concluída a missão do dia sem nenhuma intercorrência,
No retorno para casa, passou pela Avenida Beira-Mar Norte, admirou a Ponte Hercílio Luz toda iluminada e avistou os barcos ancorados, especialmente o barco pirata. Lembrou automaticamente da franquia “Piratas do Caribe” e sorriu, perguntando a si mesmo como seria uma comemoração natalina entre eles. “Já pensou o Papai Noel em um barco pirata?”, e soltou uma gargalhada, para surpresa dos voluntários que acompanhavam a “Missão Natal” de Tenório. Entenderam que aquele contentamento foi porque tudo ocorreu bem do início ao fim do dia. Agora era preciso descansar!
Socorro! Estou no barco pirata!
Caracterizado de Papai Noel, Tenório se viu caminhando pela Beira-Mar Norte, à luz das estrelas e da orla iluminada pelas luzes do maior cartão-postal de Florianópolis. Enquanto caminhava com pisadas fortes, carregando o saco de presentes, tocando a sineta e soltando o Ho Ho Ho para os passantes, se sentiu feliz e seguro. “Que lugar magnífico! Que privilégio estar aqui com essas roupas e fazer todos sorrirem à minha volta”, disse, em voz alta.
“Parado aí, velhote! Vamos ver o que está carregando! Amarrem ele e o levem para o barco!”, ordenou o pirata. “Essa aqui é a minha área! Quem é você? Que roupa estranha é essa?!”, perguntou, em tom de deboche, imitado pela marujada. Apavorado, Tenório se deixou amarrar e depois ficou frente a frente com o pirata, que tinha um tapa-olho preto e a postura de capitão da embarcação. “Meu nome é Joe, o Implacável!”, falou, enquanto fuzilava o Papai Noel com os olhos. Arrastado para dentro do barco, Tenório sentiu que começou a suar dentro da roupa de Santa Klaus,. Em seguida, abriram o saco de presentes e o esvaziaram, intrigados com o conteúdo.
“Que espécie de tesouro é esse?!”, interrogou o pirata,
“Entrego para as crianças que não recebem nada durante o Natal”.
“Pois agora esses presentes vão ficar com a gente! Revistem ele! Vamos ver se tem ouro, prata, o que tiver!”, mandou o capitão
“Não tenho nada, juro! Tudo o que tenho, distribuo às crianças nessa época. Por favor, me solte! Prometo não passar mais por aqui!”, suplicou.
O capitão Joe pensou, pensou e decidiu soltar o Papai Noel prisioneiro. “Desamarrem esse inútil! Mas vai voltar de mãos vazias, viu?”.
Tenório Noel concordou com a cabeça aliviado. Foi levado por dois marujos até perto da praia, empurrado do barco e chegou encharcado na areia.
“Nem acredito que saí vivo dessa! Ufa! E os presentes das crianças? O que vou fazer agora?! SOCORRO!”, gritou, angustiado.
……..
“Pai, pai! Acorda!”, gritou Antônio, o filho caçula de Tenório, enquanto o sacudia levemente. “Nossa! Está encharcado de suor!”.
“Ahn? Aiiiii, filho, nem imagina o pesadelo que tive? Sonhei que fui sequestrado por um pirata que se apossou dos presentes das crianças!”.
“Hahahahaha! Só o senhor mesmo! Relaxa, pai, os presentes continuam bem guardados e aqui não tem pirata nenhum! Hahahahaha”.
“Acho que estou trabalhando demais, Antônio”, constatou Tenório, já pensando na última doação de brinquedos antes do Natal, no dia seguinte.