Sônia Pillon é jornalista e escritora, formada em Jornalismo pela PUC-RS e pós-graduada em Produção de Texto e Gramática pela Univille. Integra a AJEB Santa Catarina. Fundadora da ALBSC Jaraguá do Sul.
Conto: Entrevistando Antonieta
Meu nome é Antonieta. Antonieta de Barros! Quer que conte a minha história? Está bem, então… Nasci negra e pobre, no dia 11 de julho de 1901, em Florianópolis, capital de Santa Catarina. Minha mãe, Catarina, chegou a ser escravizada durante o Império, mas conquistou a liberdade com a Lei…
11/02/2025
Meu nome é Antonieta. Antonieta de Barros! Quer que conte a minha história? Está bem, então… Nasci negra e pobre, no dia 11 de julho de 1901, em Florianópolis, capital de Santa Catarina. Minha mãe, Catarina, chegou a ser escravizada durante o Império, mas conquistou a liberdade com a Lei Áurea. O meu pai se chamava Rodolfo José. Tive três irmãos. E acredite, na minha trajetória, fui pioneira desde o início até o fim dos meus dias, e posso garantir que não foi nada fácil! Não, mesmo!… Contrariando todas as expectativas para uma menina na minha condição, naquela época, fui alfabetizada, frequentei a Escola Lauro Müller e me formei professora pela Escola Normal Catarinense, em 1921. Isso tudo no início do século 20, já pensou? Pode imaginar os desafios que enfrentei dali para frente… Me lembro de cada detalhe, passo por passo…
– Dona Antonieta, conte um pouco sobre a sua carreira no Magistério…
Com o diploma de educadora nas mãos, comecei a lecionar, uma tarefa que levei como missão. Sempre vi a educação como um meio de transformação social. Por isso, antes mesmo de concluir os estudos, criei uma escola para facilitar o acesso ao conhecimento daqueles que queriam aprender a ler e escrever, na minha casa mesmo! Sentia que aquele era o caminho que precisava ser iniciado para romper barreiras e derrubar paradigmas rumo à cidadania plena da população carente, especialmente dos negros, em sua maioria à margem da sociedade. Atuei em diversas escolas de Florianópolis e sempre defendi na mudança que os estudos podem promover para que os desfavorecidos pudessem ascender socialmente e deixassem de ser explorados. Era a busca pela equidade racial, algo que nem se falava naquele tempo… Ainda na década de 1920, integrei a Liga do Magistério Catarinense, na defesa dos profissionais da educação. A grandeza da vida, a magnitude da vida, gira em torno da educação.
– E como foi sua passagem pela imprensa catarinense?
Paralelamente ao magistério, passei a atuar como jornalista, em diversos jornais e revistas do Estado. Nesses veículos, sempre defendi a educação, a justiça social, e combati o racismo e machismo, que naqueles tempos eram escancarados! Incomodei muita gente com os meus posicionamentos, você pode imaginar… Escrevi mais de mil artigos para jornais, com o pseudônimo Maria da Ilha e criei a revista “Vida Ilhoa”.
– O pioneirismo na política é sua marca registrada. Foram muitos embates no Parlamento…
Na década de 1930, houve um acontecimento marcante, pois em 1932, as mulheres conquistaram o direito de votar. Com isso, decidi me candidatar em 1934 ao cargo de deputada estadual pelo Partido Liberal Catarinense, fui eleita e assumi em 1935. Fui uma das três mulheres brasileiras eleitas, e a primeira mulher negra a ocupar cargo público no Brasil! O meu segundo mandato foi em 1946, pelo Partido Social Democrático. Como deputada estadual, partiu de mim a proposição de criar o “Dia do Professor”, em 15 de Outubro e mais tarde, a data foi adotada de forma oficial em todo o Brasil. Foram tantas lutas! Me sinto gratificada de ter me empenhado e contribuído para Santa Catarina,
– E a literatura?
Me enveredei pela literatura também porque sempre considerei que as ideias devem ser disseminadas em prol de uma sociedade mais justa e igualitária. Por isso reuni meus escritos em 1937, quando lancei o livro “Farrapos de ideias”.
– A senhora foi uma inspiração não somente para as mulheres negras na sua geração, mas para todas que até hoje lutam por igualdade de gênero.
Sabe, essa trilha que escolhi veio de forma natural para mim. Desde pequena observava a vida sacrificada dos que eram analfabetos, especialmente da população negra, em trabalhos desgastantes e com baixa remuneração. Entendi que a educação era a esperança para os que estão em vulnerabilidade social. Tudo o que fiz foi por convicção, por entender que era a minha missão pessoal. Fico feliz se plantei boas sementes pelo tempo que me foi concedido para viver.
– Se a senhora tivesse que deixar um recado para as mulheres do século 21, qual seria?
Não se deixem abater pelas dificuldades, pelas barreiras impostas pelo machismo e da misoginia. Estudem, invistam em uma profissão, ou atividade, que as façam sentir realizadas. Encontrem e se empenhem por um objetivo. Acreditem em si mesmas e cultivem a sororidade. Sigam na luta porque ainda existem muitas batalhas a serem vencidas. Lembrem-se das pioneiras, que assim como eu, abriram o caminho para que vocês sigam em frente, por uma sociedade mais justa, igualitária e humanista.
………………
Antonieta de Barros faleceu precocemente aos 50 anos, em 28 de março de 1952. Deixou um legado inestimável pela democratização da educação, valorização da cultura negra e na emancipação feminina. Sua inspiradora história de vida recebeu o reconhecimento oficial do País desde 2023, quando passou a ser incluída no “Livro de Heróis e Heroínas da Pátria”.
Notícias relacionadas
Coluna: Solidariedade é a resposta para combater turbulências
O ano de 2025 já chegou chutando a porta! Como explicar as profundas mudanças que ocorreram no “interminável” janeiro e que culminaram com o anúncio sobre a intenção dos Estados Unidos em assumir Gaza e “convidar” a população (a que sobrou da Guerra!) a deixar o território? E se refugiar …