Saúde

Celular é o novo cigarro: como o cérebro reage às notificações de apps e por que elas viciam tanto

Notificações, curtidas e rolagem infinita nas redes causam prazer, mas afetam controle dos impulsos. Dependência digital pode levar a transtornos de esgotamento, como FOMO e Burnout.

13/02/2023

Conferir notificações, curtidas e o feed de redes sociais já são hábitos comuns para quem tem um smartphone na mão. O simples som de uma notificação pode trazer uma sensação boa, mas, ao mesmo tempo, afetar o controle dos nossos impulsos. E, assim como o cigarro ou outros vícios, o uso constante do celular também pode se tornar uma dependência.

Tudo isso é um processo químico, que ocorre dentro do nosso cérebro através da dopamina. Estimulado por comentários e curtidas, o neurotransmissor é liberado, provocando prazer satisfação.

⚠️Alerta: Só que a dopamina vicia. Checar o celular o tempo todo, clicar em notificações, ficar rolando infinitamente as timelines sem buscar algo determinado, pode gerar um looping altamente perigoso para a saúde.

“Quanto mais a pessoa entra em contato com esses estímulos que causam recompensas rápidas e imediatas, maior a tendência de aumentar o comportamento. E aí ela começa a sentir falta quando não está perto do celular”, resume a médica psiquiatra Julia Khoury, mestre e doutora em Medicina Molecular pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

 

Nesta reportagem, você vai saber mais sobre:

  1. ? Como o cérebro reage às notificações
  2. ? Como a dependência digital afeta a saúde
  3. ? O que fazer para se desligar totalmente (ou um pouco, pelo menos)

 

 Dependência digital pode levar a transtornos de atenção e de esgotamento — Foto: Reprodução/ TV Diário
Dependência digital pode levar a transtornos de atenção e de esgotamento — Foto: Reprodução/ TV Diário

1 – As notificações dentro do cérebro

Julia Khoury, que fez mestrado e doutorado em dependência digital, afirma que o mundo digital é uma fonte inesgotável de estímulos rápidos, capaz de nos dar pequenas doses de alívio frente à vida real.

“As pessoas vão em busca desses estímulos rápidos que geram prazer para se livrar de sentimentos ruins ou para ter pequenos prazeres ao longo do dia”, diz a médica psiquiatra.

  • Você pode não perceber, mas, ao receber uma mensagem do “crush” ou um elogio inesperado em uma foto postada, um neurotransmissor começa a correr dentro do cérebro: é a dopamina;
  • A dopamina, então, se desloca até a parte central do cérebro e, ao ser liberada ali, causa imediatamente sensações como prazer e satisfação na pessoa;
  • Mas ela também vai até a parte da frente do cérebro. Liberada, inibe as funções dessa região, chamada de córtex pré-frontal e responsável pelo controle dos impulsos, moderação do comportamento e tomada de decisões;
  • Com isso, pode causar impulsividade e afetar o controle do uso – nesse caso, uso do celular.
  • processo é o mesmo em outros tipos de vícios, como em jogos ou drogas.

 

“O vício em smartphones é causado por causa desse tipo de recompensa rápida”, afirma a psiquiatra. “Como temos estímulos rápidos no celular, o cérebro não treina mais para se concentrar por um tempo maior. E isso diminui a capacidade de concentração”, diz Julia.

Como o cérebro reage ao contato com o celular — Foto: Wagner Magalhães/Arte g1
Como o cérebro reage ao contato com o celular — Foto: Wagner Magalhães/Arte g1

2 – Quando a dependência digital acontece

O smartphone é uma máquina caça-níquel, afirma o psicólogo Cristiano Nabuco. “Na máquina, quando você coloca as fichas, ela te dá pontuação farta no começo. A partir do momento que você começa a ficar mais tempo jogando, você começa a perder”, compara.

“Seu cérebro também pode criar uma tolerância, e um ciclo vicioso começa a ser instalado. As notificações têm como objetivo ‘adestrar’ o usuário de uma maneira que ele possa, no fundo, no fundo, ficar cada vez mais conectado”, explica o psicólogo.

 

Um exemplo é a rolagem infinita: o hábito de pegar o celular (sem receber nenhuma notificação), abrir um aplicativo e ficar passando pelo feed com o polegar, de baixo para cima – principalmente em momentos de ócio e procrastinação.

“Eu vou te oferecendo, oferecendo, oferecendo, criando um efeito looping onde, em um determinado momento, você não tem mais a noção do tempo que gastou. O indivíduo entra em uma condição de êxtase, procurando de maneira compulsiva, sem racionalizar”, afirma Nabuco.

“Isso criou um tipo de estimulação contínua, em que a saúde mental das pessoas não está sendo observada”, diz o psicólogo.

Mas como saber se sou dependente digital? De acordo com a psiquiatra Julia Khoury, um dos principais sinais de quem abusa da tecnologia ou é viciado nela é a síndrome de FOMO.

A palavra é uma sigla em inglês de “fear of missing out”, que, traduzida para o português, seria algo como “medo de ficar de fora”.

O tempo todo que a pessoa recebe notificação é um convite para um ritual de checagem regular, porque ela fica olhando para a tela, principalmente quando recebe uma notificação, por medo de perder coisas importantes, informações que ela considera importantes.
— Julia Khoury, psiquiatra

A consequência é o desenvolvimento de sintomas de ansiedade e problemas de atenção, o que pode evoluir para quadros mais graves, como a Síndrome de Burnout, causada pelo esgotamento mental, ou o Transtorno de Déficit de Atenção (TDA).

“A pessoa se sente o tempo todo com excesso de estímulo, não consegue descansar”, explica a psiquiatra. “A gente tem visto uma prevalência cada vez maior de pessoas com dificuldade de concentração”, afirma também.

“O que a gente tem visto é uma epidemia silenciosa, onde a busca por essa dopamina se tornou quase que uma doença mundial, em que, quanto mais eu uso as telas, mais um determinado tipo de operação é recrutada no meu cérebro”, diz Nabuco.

3 – O que fazer para se “desligar” (totalmente ou não)

Para quem quer tentar sair um pouco da frente das telas, principalmente nos momentos de lazer, ou até mesmo fugir da dependência digital, os especialistas dão algumas dicas:

  • Buscar o equilíbrio: quem precisa ficar de olho no celular por conta da profissão, por exemplo, deve ficar atento não apenas na quantidade do uso, mas também na sua relação com o aparelho;
  • De acordo com a psiquiatra Julia Khoury, pessoas que estão em momentos de lazer, longe do trabalho, e não conseguem se desligar, possuem um risco maior à dependência do que quem usa por uma grande quantidade de tempo, mas apenas quando está trabalhando;
  • Estabelecer limites entre o trabalho e a vida pessoal: uma das alternativas é concentrar a troca de mensagens do trabalho em um celular diferente do usado para fins pessoais;
  • Zonas livres de tecnologia ou desafios de detox digital: com família ou amigos, estabelecer ambientes ou períodos onde o celular não pode ser usado, como em uma viagem, por exemplo;
  • A vida offline também é boa: atividades ao ar livre, prática de exercícios físicos e de esportes, ou reunir os amigos no mundo real, longe do celular, também são aliadas.

 

“Um chefe ou um cliente te mandam uma mensagem e você está em descanso. Aí ele escreve: ‘Não precisa olhar agora, é para quando você voltar’. Isso já tirou a sua mente do descanso e já te levou para o trabalho, porque você parou de descansar para se lembrar de um problema que, por mais que você não resolva na hora, você fica pensando”, afirma Julia.

  • Não há problema em usar as telas: mas deve-se ficar atento para que o acesso não seja simultâneo a outras plataformas. Isso acontece, por exemplo, quando você está focado em uma tarefa e para tudo para conferir uma mensagem recebida em aplicativos.

 

Segundo o psicólogo Cristiano Nabuco, o melhor é não ser interrompido. “Você demora 23 minutos para retomar o mesmo nível de concentração anterior ao recebimento da mensagem”.

  • Desligar as notificações: nos momentos de lazer, ameniza os efeitos do uso do celular;
  • Curtir o ócio: é importante aproveitar os momentos à toa, sem os apitos das notificações. Segundo os especialistas, a pausa – real e digital – é importante para descansar a mente, estimular a criatividade e o desenvolvimento do cérebro.

 

“A gente precisa de tempo ocioso. Olhar para a janela durante uma viagem e não para a tela de um tablet”, diz o psicólogo.

 

Conteúdo original publicado por G1

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