Brasil tem 33 milhões passando fome, como disse Lula? Entenda divergências de números
Para entender porque os números mudam tanto, primeiro é preciso explicar os conceitos envolvidos nas pesquisas
07/02/2023
Ao longo de 2022, estudos sobre o avanço da fome no Brasil trouxeram resultados divergentes sobre o número de pessoas em situação de insegurança alimentar. Nesta segunda-feira (6), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou uma mensagem em uma rede social na qual diz que o país tem 33 milhões de pessoas passando fome.
Na publicação, Lula diz que, em 2012, o Brasil havia saído do “mapa da fome” e questiona se é possível a “economia crescer sem o povo crescer”. “É possível fazer com que esse país seja socialmente justo sem aumento do salário mínimo?”, questionou
Em 2012 o Brasil saiu do mapa da fome. Qual a explicação para 10 anos depois termos 33 milhões passando fome? É possível a economia crescer sem o povo crescer? Se o povo continua pobre? É possível fazer com que esse país seja socialmente justo sem aumento do salário mínimo?
— Lula (@LulaOficial) February 6, 2023
A CNN analisou as pesquisas divulgadas pelo centro de políticas sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para entender a causa da diferença entre os relatórios.
Enquanto a agência da ONU aponta cerca de 15 milhões de brasileiros e brasileiras que passam fome, a Rede Penssan estima 33 milhões. Já de acordo com o FGV Social, seriam cerca de 77 milhões de pessoas com algum nível de insegurança alimentar no país.
O que é a fome?
Para entender porque os números mudam tanto, primeiro é preciso explicar os conceitos envolvidos nas pesquisas. De acordo com a FAO, a fome é considerada a sensação de dor física causada pela ausência de alimentação por pelo menos um dia.
As pesquisas, de forma geral, não medem o nível de fome de uma população, e sim o nível de insegurança alimentar. Este é um conceito mais complexo, e para existir a insegurança alimentar, não necessariamente precisa existir fome.
Quatro fatores estão associados a essa condição: a acessibilidade das famílias a alimento, ou seja, se a família tem direito para comprar comida ou não; a disponibilidade de alimentos nos supermercados e locais de venda; a continuidade da alimentação ao longo do tempo, se as pessoas têm acesso a alimentos o ano todo; e a relação nutricional dos alimentos consumidos, que devem fornecer a quantidade de calorias e nutrientes necessários.
É possível separar a insegurança alimentar em três categorias: leve, moderada e severa. A fase severa é aquela na qual o indivíduo passa fome, está sem alimento há um dia ou mais. Na fase moderada, ainda é possível adquirir comida, mas em quantidade ou qualidade reduzida, comprando menos e se alimentando de embutidos ou ultraprocessados por serem mais baratos.
A fase leve da insegurança alimentar considera a possibilidade futura da pessoa ter que tomar alguma dessas medidas, quando existe o receio de passar fome no futuro próximo.
A pesquisa divulgada pelo FGV Social com base em dados do instituto Gallup World Poll diz que, em 2021, a insegurança alimentar atingiu 36% da população brasileira. Cerca de 77 milhões de pessoas.
Os dados divulgados pela Penssan no 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil foram coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022 e mostraram mais de 33,1 milhões com insegurança alimentar grave. São 65,5 milhões com insegurança moderada ou severa, e 125,2 milhões de brasileiros com algum nível de insegurança alimentar.
Já a publicação da agência da ONU traz 15,4 milhões de pessoas com insegurança alimentar grave no Brasil, e 61,3 milhões com insegurança moderada ou grave. Os números são resultados da média entre 2019 e 2021, e a FAO não utiliza a categoria leve em suas classificações.
Diferentes metodologias levam a diferentes resultados
Em contato com a FAO, a agência explicou à CNN que essas divergências acontecem por conta dos diferentes meios utilizados para identificar a insegurança alimentar.
A FGV Social se baseou nos dados do instituto Gallup World Poll, que inclui em seu questionário a pergunta: “Houve nos últimos 12 meses momentos em que você não teve
dinheiro suficiente para comprar a comida que você ou sua família necessitava?”. Caso a resposta seja “sim”, se considera que a família daquele indivíduo está em situação de insegurança alimentar.
Já a rede Penssan e a FAO utilizam bases de cálculo diferentes. A Escala Brasileira de Medida Direta e Domiciliar da Insegurança Alimentar (Ebia) no caso da primeira, e a escala global de Experiência da Insegurança Alimentar (Fies, na sigla em inglês) no caso da segunda.
“É como se a escala da FAO tivesse uma linha de corte mais elevada”, explicou a agência.
A Ebia é a escala utilizada oficialmente pelo IBGE para classificar a insegurança alimentar no Brasil – os últimos dados divulgados pelo IBGE sobre isso são referentes a 2017 e 2018, e por isso não entraram na comparação.
A FAO reiterou que, para analisar a realidade brasileira, a Ebia é considerada a escala mais apropriada, mas não é interessante para a agência utilizá-la, pois a ONU analisa a insegurança alimentar em escala global.
Conteúdo original publicado por CNN
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