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Estupro culposo e a desinformação em massa

A ideia de que a absolvição foi justificada pelo suposto “estupro culposo” foi amplamente divulgada e utilizada como um símbolo de revolta, quando, na realidade, esta ideia se mostra tecnicamente equivocada.

05/11/2020

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OAB/SC 54.861. Possui pós-graduação em Direito Civil e MBA em Gestão Empresarial. Graduanda em Gestão do Inventário Extrajudicial

Nesta terça-feira (3) foram divulgadas pelo The Intercept Brasil, filmagens da audiência de instrução e julgamento e até mesmo a sentença do caso Mari Ferrer. A notícia que afirmava tratar-se de caso de absolvição em razão do crime de “estupro culposo” rapidamente se espalhou, gerando opiniões prematuras e um sentimento coletivo de indignidade e descrença no Poder Judiciário.

Longe de adentrar no mérito da questão e tomar partido, gostaria de fazer um alerta: muitas vezes somos tomados pelos sentimentos e deixamos de analisar a situação com visão crítica. Como tudo na vida, uma única história possui duas (ou mais) versões, e conclusões precipitadas costumeiramente mais atrapalham do que ajudam.

Em primeiro lugar é preciso lembrar que o processo que envolve a influencer Mari Ferrer e o empresário André de Camargo Aranha tramita em segredo de justiça, justamente para preservar as partes (principalmente a vítima). Portanto, pelo certo, qualquer conclusão deveria ser tomada somente após a análise completa de todo o processo.

Não tive acesso à integra dos autos, somente à sentença que foi divulgada pela mídia, desta forma, vou me ater à esta.

 O fato é que a ideia de que a absolvição foi justificada pelo suposto “estupro culposo” foi amplamente divulgada e utilizada como um símbolo de revolta, quando, na realidade, esta ideia se mostra tecnicamente equivocada.

Não há na decisão divulgada qualquer declaração ou afirmação sobre a ocorrência de estupro culposo.

Na fundamentação apresentada pelo Juiz do caso, após toda a análise entre a vulnerabilidade ou não da vítima para configuração do crime e a consistência das provas quanto à autoria, este entendeu que não ficou comprovado que a vítima estava incapaz de consentir no momento da relação sexual. Por este motivo, no entendimento do magistrado, havendo esta relevante dúvida, deveria ser aplicado o princípio do in dubio pro reo, previsto no art. 386, inciso VII, do CPP.

Ou seja, inexistindo certeza, a lei penal prevê a absolvição do acusado, a fim de evitar que alguém seja condenado sem provas.

Considerando toda a publicidade que o caso ganhou com o tempo, por todos os motivos justificáveis no mundo, a manchete equivocada promoveu uma verdadeira revolta social e gerou uma discussão superficial sobre essa questão jurídica quando, na realidade, os autos deveriam seguir em sigilo!

Sobre as filmagens da audiência de instrução e julgamento que mostram supostos abusos praticados pelo advogado de defesa (que também deveriam ser mantidas sob sigilo), cabe lembrar que estes estão sendo apurados pelos órgãos responsáveis. Se realmente houve algum excesso, que este seja devidamente punido.

Por fim, não se trata de defender esse ou aquele, ou ser conivente com um crime tão repulsivo quanto o estupro; se trata de se ater a verdade e evitar a propagação de informações distorcidas e equivocadas.

Todo e qualquer crime, especialmente o estupro, é um ato odioso e repugnante que merece ser punido, em obediência às leis que regem nosso País, sem juízo de valores. Um criminoso merece ser condenado pelos atos que efetivamente praticou, e não pela pressão social causada pela mídia.

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