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Coluna: A Despedida do Velho Guerreiro

Gostaríamos que o tempo fosse mais elástico, queremos prolongar os dias de convivência, mas não somos consultados sobre a partida. Não nos dão esse direito. E não importa se quem amamos tem idade avançada, porque o sentimento de perda é o mesmo.

21/08/2020

Por Sônia Pillon

A gente sabe que esse dia chega para todo mundo, mas a verdade é que não estamos preparados. Fazemos de tudo para não lembrar. Há os que passam a vida inteira agindo como se eternos fossem,  justamente para “esquecer” a finita condição da existência. Os que se consideram “blindados” por serem jovens, via de regra, pagam caro pela imprudência. Não raro, com a própria vida.

Mesmo os mais precavidos e os que acreditam em outras dimensões, se sentem pegos de surpresa quando alguém que amam sai de cena, definitivamente.

Gostaríamos que o tempo fosse mais elástico, queremos prolongar os dias de convivência, mas não somos consultados sobre a partida. Não nos dão esse direito. E não importa se quem amamos tem idade avançada, porque o sentimento de perda é o mesmo.

Essa semana meu pai partiu, deixando um rastro de tristeza e saudade. E para os que argumentam que ele já tinha vivido muito além das expectativas e das estatísticas, garanto que não, eu não estava preparada! Nem sempre conseguimos ser realistas quando há sentimentos envolvidos.

Meu pai nem de longe foi um atleta. Pelo contrário, enfrentou inúmeros problemas de saúde ao longo da vida. Era um homem regrado, sem vícios. “Eu sempre me cuidei”, repetia sempre. Mesmo assim, encarou e venceu a radioterapia, enfartes, se submeteu a duas pontes de safena e passou por várias internações. Sempre foi um homem de luta.

Papai Almerindo se agarrava à vida de forma tenaz, motivado pelo amor e estímulo que recebia da família e dos amigos, mesmo os mais distantes. Carismático, mantinha uma certa ingenuidade no olhar e nas atitudes. Não enxergava a maldade nas pessoas e confiava além da conta. Era sincero, leal e bem humorado. E justamente por ter essa maneira singular de ser que ele cativava e conseguia manter amizades por décadas.

Recentemente, meu pai me contou um episódio que me encheu de orgulho. Certa vez, ao encontrar uma carteira com dinheiro e documentos, não teve dúvida: procurou o contato do dono e o avisou. Para espanto do homem, não aceitou nenhuma recompensa. Afinal, o dinheiro não era dele e o correto era devolver, não é mesmo?

Neste fatídico  19 de agosto, um mês após completar 92 anos, o Velho Guerreiro Pillon finalmente depôs as armas, vencido pelo cansaço. Lutou bravamente, como sempre fez, mas o coração já batia devagarinho, como um trem que reduz a velocidade quando o passageiro está prestes a descer… E foi o que aconteceu. Depois de percorrer tantos vagões e estações, ele finalmente chegou ao fim da viagem. Desembarcou deixando um aperto no peito em todos que o amavam e admiravam.

Ao ouvir a canção “Despedida”, de Roberto Carlos, e acompanhar a sucessão de fotos com momentos distintos de sua Jornada, na celebração ecumênica da partida, foi impossível conter a emoção. A cortina do palco da vida se fechou  e chegou a hora de me despedir…  

Adeus, meu Velho Guerreiro! Ou melhor, até o dia em que iremos nos reencontrar! Siga em paz e na luz, papai Almerindo José Pillon!

Por

Sônia Pillon é jornalista e escritora, formada em Jornalismo pela PUC-RS e pós-graduada em Produção de Texto e Gramática pela Univille. Integra a AJEB Santa Catarina. Fundadora da ALBSC Jaraguá do Sul.

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