Tecnologia

A maior descoberta das viagens à Lua foi a Terra

A maior descoberta da ida à Lua foi a Terra. Ou seja, a partir das viagens, nós obtivemos da órbita da Lua uma visão extraordinária da Terra

22/07/2019

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“A maior descoberta da ida à Lua foi a Terra. Ou seja, a partir das viagens, nós obtivemos da órbita da Lua uma visão extraordinária da Terra”, assinala o engenheiro mecânico José Bezerra Pessoa Filho, que trabalhou por mais de 30 anos no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), em São José dos Campos (SP).

As imagens que comoveram artistas e cientistas, e apresentaram o mundo ao mundo, não foram, no entanto, o maior feito da aventura do homem no espaço. Esse aconteceu em 20 de julho de 1969, um domingo, quando o engenheiro aeroespacial e astronauta Neil Alden Armstrong, então com 38 anos, colocou o pé esquerdo pouco antes da meia noite (horário de Brasília) em solo lunar. O gesto foi acompanhado das célebres palavras pronunciadas por Armstrong e escutadas em cadeia televisiva: “um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade”.

A caminhada de Neil Armstrong e de seu colega Buzz Aldrin, por duas horas e meia, pela superfície da Lua selou a vitória simbólica dos Estados Unidos da América (EUA) sobre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) na corrida espacial iniciada na década de 1950. As demais alunissagens foram feitas exclusivamente pelos norte-americanos até 1972, em cinco seguintes missões (Apollo 12;14; 15; 16 e 17), e confirmaram a hegemonia alcançada pelo Ocidente.

Até o programa Apollo, da National Aeronautics and Space Administration (Nasa), a corrida espacial era vencida com folga pelos soviéticos. Antes de colocar Gagarin no espaço e inspirar Vinicius de Moraes, a URSS lançou o Sputnik em volta da Terra (1957); enviou a cadela Laika (primeiro ser vivo) à órbita (também em 1957) e fotografou a face oculta da Lua (1959) – onde a sonda chinesa Chang’e-4 posou este ano.

“A intenção dos americanos naquele mundo bipolar era mostrar que eram melhores que o mundo comunista”, comenta Bezerra Pessoa ao lembrar da guerra fria entre EUA e URSS, e que as naves espaciais eram transportadas por foguetes que também podem servir como mísseis de longo alcance, como o foguete R7 que levou o Sputnik à órbita da Terra ou o Saturno 5 que transportou a Apolo 11 ao espaço. “A ida à Lua tem o contexto da propaganda e do marketing, mas foi fomentado pela questão militar. O contexto era de disputa pela hegemonia no planeta. As missões do programa Apollo são resultado direto da guerra fria”, acrescenta.

Poeira das estrelas

(Com o pé esquerdo, o astronauta Neil Armstrong pisou em solo lunar pela primeira vez. NASA/Direitos reservados)

Para a astrofísica Duília Fernandes de Mello, vice-reitora da Universidade Católica da América, em Washington, “a missão Apollo ainda é uma inspiração para todos. Daqui a 500 anos a gente ainda vai lembrar do século 20 como o século que nós pisamos em outro corpo celeste”, declara com entusiasmo científico. Na opinião de Carlos Augusto Teixeira de Moura, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), o desenvolvimento tecnológico é o maior legado daquele momento. “Havia tecnologia para lançar objetos ao espaço, colocar objetos em órbita. Mas com uma envergadura desse tipo, de ir até outro objeto no universo, orbitá-lo, pousar nesse objeto e retornar foi grande conquista”, declara ainda impressionado pela garantia de segurança, alimentação e sobrevivência das tripulações que desceram na Lua (12 homens no total).

Para além dos meios e modo de fazer alunissagem, às viagens espaciais implicaram no desenvolvimento de tecnologia em uso no cotidiano como a miniaturização eletrônica dos computadores de bordo, hoje em carros e aviões; uso de satélites para transmissão de imagens e informações; o monitoramento e ações a distância (próprio da telemedicina). Há outras tecnologias  importantes nas viagens espaciais, e presentes no dia a dia das pessoas comuns, como os tênis com absorção de impacto, as roupas térmicas, a comida desidratada e as refeições embaladas a vácuo.

Em termos científicos, o maior progresso se deu com o exame do material recolhido na Lua. A coleta de um total de 382 kg de rochas, pedra e areia da Lua, feita em seis missões do programa Apollo, ajudou o desenvolvimento da teoria de que a Lua é resultado do choque, no começo da formação do sistema solar, de um corpo celeste do tamanho de Marte com a Terra. “O resultado dessa colisão foi um monte de partículas que ao longo do tempo foi se aglomerando e daí surgiu a Lua”, resume Bezerra Pessoa Filho. “Nós somos feitos da mesma coisa. Como disse Carl Sagan, somos feitos de poeira das estrelas. Não tem nada especial”, comenta. “A chegada do homem à lua tem a ver com um determinado momento da construção do conhecimento, em especial com a investigação sobre como evoluiu o sistema solar, como a Terra e a Lua se formaram”, confirma o progresso Roberto Dell’Aglio, da USP.

Programa Espacial Brasileiro

O astronauta brasileiro Marcos Pontes, quando foi ao espaço em 2006
A corrida espacial gerou interesse do governo brasileiro antes das descobertas das missões Apollo. Em agosto de 1961, menos de 20 dias antes de renunciar, o presidente Jânio Quadros instituiu por decreto o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Estudos Espaciais, a pedra fundamental do Programa Espacial Brasileiro. No mesmo dia do decreto, Jânio condecorou o astronauta soviético com a Ordem do Cruzeiro do Sul. “No final da década de 1950 e começo dos anos 1960, nós vivemos um momento muito promissor no Brasil de desenvolvimento tanto científico quanto tecnológico”, avalia o presidente da AEB. Conforme Teixeira de Moura, “era um momento especial. De um país essencialmente agrícola, começávamos a arranhar a fronteira do conhecimento que era a área espacial”.

Para ele, a chegada do homem à Lua oito anos após a instituição do programa espacial, “foi uma injeção de ânimo grande nas pessoas que viram que elas não estavam apenas fazendo algo como a pesquisa pela pesquisa ou a ciência pela a ciência, mas tinha a possibilidade de participar de investimentos de grande envergadura que teriam influência no nosso cotidiano”. De acordo com o presidente da AEB, o Brasil passou na década seguinte a “ambicionar” a capacidade de projetar satélites, dispor dos serviços desses satélites e usar os centros de lançamento – a base Barreira do Inferno, fundada em 1965 em Parnamirim (RN); e de Alcântara (MA), inaugurado em 1983 – para essas operações, além de ter um foguete próprio para levar objetos ao espaço.

Segundo especialistas, a ambição do Brasil esbarrou em dois obstáculos. Uma externa e outra interna. A primeira é a diminuta cooperação internacional para realizar os feitos projetados. A sensibilidade da cooperação tem razões estratégicas. Quem fabrica foguete também pode ter míssil – como ocorreu com os Estados Unidos e a União Soviética no início da corrida espacial. “A participação americana nos primeiros dez anos do programa espacial foi essencial. Sem eles, não teríamos chegado onde chegamos. Quando perceberam que tínhamos ambições para outras coisas, queríamos construir um foguete lançador de satélite, perceberam que não era interessante continuar apoiando”, analisa Bezerra Pessoa Filho, que se doutorou nos EUA e passou três décadas no DCTA.

Em termos formais, a cooperação técnica para construir foguete é limitada também pelo tratado de não proliferação de armas nucleares (TNP), assinado em Londres, Moscou e Washington, em 1º de julho de 1968, e que o Brasil se tornou signatário em 1998. Conforme o primeiro artigo do termo que tem valor de lei, os países nuclearmente armados comprometem-se a não transferir, ”para qualquer recipiendário”, armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares. A limitação da transferência tecnológica dificulta progressos locais, e a aquisição de soluções já prontas. “Toda vez que tem que parar uma iniciativa para reprojetar alguma coisa, que se comprava no mercado [internacional] e de repente tem que produzir por meios próprios, acaba por haver atrasos e aumento de custos”, explica Teixeira de Moura.

O presidente da AEB avalia que o bloqueio interno criou mais dificuldades do que a imposição estrangeira. “O principal fator foi a falta de prioridade política”, considera. “Sem ter isso como uma prioridade de Estado, vai ter menos prioridade de recursos, tanto materiais e financeiros quanto humanos, e as coisas começa a atrasar”. O astronauta Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação, corrobora a visão do dirigente da Agência Espacial Brasileira. “Quando uma nação se dedica a fazer alguma coisa, ela consegue fazer”, disse o ministro que esteve na Estação Espacial Internacional (ISS) em abril de 2006.

Pontes vislumbra a revitalização do programa espacial com a possibilidade do uso comercial do Centro Espacial de Alcântara. O uso da base por países estrangeiros pode gerar US$ 3,5 bilhões por ano ao Brasil, calcula o ministro. “Esse esforço de trabalhar com o Centro Espacial de Alcântara, de gerar recursos para suplementar recursos para desenvolver nossos satélites, desenvolver mais formação de técnicos e engenheiros”, descreve o ministro. O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), assinado em março entre o governo do Brasil e o governo dos Estados Unidos, é o primeiro termo que pode viabilizar o uso da base que próxima à Linha do Equador, que garante o lançamento de foguetes com gasto menor de combustível.

Missão a Marte

Cientistas italianos descobrem água em estado líquido em Marte
(Cientistas italianos descobrem água em estado líquido em Marte – EFE/EPA/USGS Astrogeology Center/Direitos reservados)

O ministro Marcos Pontes também é otimista com a retomada das viagens à Lua. “O ser humano tem isso de explorar o desconhecido. Foi isso que nos trouxe aqui. Foi o que nos trouxe a tecnologia, o começo da ciência, o raciocínio”. “É a necessidade de conhecer que empurra a natureza humana”, disse Pontes ao comentar o interesse chinês em fazer visitas tripuladas ao satélite da Terra, intenção declarada inicialmente na Conferência de Exploração Espacial Global, ocorrida em 2017.

Roberto Dell’Aglio, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, também observa o interesse chinês em fazer um pouso no lado oposto da Lua, “que não é escuro como se pensa”. Em sua percepção, uma base na Lua pode servir como plataforma de exploração do sistema solar. Depois de chegar à Lua, o corpo celeste mais próximo que poderia ser visitado pelo homem seria Marte. “Mas para que isso seja verdade uma quantidade grande de tecnologia precisa ser desenvolvida”, indica Dell’Aglio. Para ele, “a Lua é o lugar ideal para se testar esse tipo de tecnologia”.

( Crédito da foto: Isandro Fiamoncini)

O maior limitante para uma viagem tripulada à Marte “é o fator humano”, pondera o engenheiro Bezerra Pessoa Filho. Ele calcula que com a tecnologia disponível, a viagem levaria cerca de três anos e meio. “Nós nunca passamos tanto tempo no espaço assim”, ressalta. Além do longo tempo exigido, a aventura exigiria um carregamento inédito de combustível para garantir a volta dos astronautas. “Se a gente levar o combustível que precisa para voltar, o foguete ficaria tão pesado que não sairia da Terra”, prevê.

Segundo Bezerra Pessoa Filho, a tecnologia de lançamento pode ser beneficiária dos avanços obtidos com a eletrônica após a ida à Lua, mas o foguete não seria muito diferente em peso e tamanho que o Saturno V (da altura de um prédio de 35 andares e carga de três toneladas). O empreendimento resultaria em um gasto elevado. A preço de hoje, o especialista estima que o Programa Apollo tenha tido um custo total entre US$ 150 e US$ 250 bilhões – no teto, o valor que o Brasil deve economizar em 10 anos com a reforma da Previdência Social.

A impossibilidade tecnológica e o altíssimo custo não vão deter o gênio humano, assegura Bezerra Pessoa Filho. “A exploração espacial faz parte da natureza humana, nós somos assim. Certamente continuaremos nossa exploração. Somente neste século descobrimos 4 mil planetas fora do sistema solar”, diz lembrando das observações por telescópios gigantes.

Fonte: EBC

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