Senadores questionam liberação de uso da cloroquina para casos leves de covid-19
Parlamentares afirmam que o remédio não deveria ser prescrito enquanto não houver estudos científicos que comprovem sua eficácia.
22/05/2020
A mudança de orientação do Ministério da Saúde anunciada na quarta-feira (20) para o uso da cloroquina e de seu derivado, a hidroxicloroquina, por pacientes com covid-19 na fase inicial foi muito criticada pelos parlamentares, que cobram respaldo científico para a medida.
O senador José Serra (PSDB-SP) informou, via Twitter, a apresentação de um projeto de decreto legislativo (PDL 238/2020) para sustar o novo protocolo do Ministério da Saúde que recomenda o uso precoce da cloroquina em pacientes com covid-19.
Para ele, o remédio não deveria ser prescrito enquanto não houver estudos científicos que comprovem sua eficácia.
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“O presidente não deveria fazer uso político de algo tão sério. Entidades médicas já se posicionaram contra a medida e a OMS [Organização Mundial da Saúde], quando questionada sobre a decisão do governo brasileiro, reafirmou que, além de não ter eficácia comprovada, a cloroquina pode causar efeitos colaterais graves”, frisou o parlamentar na rede social.
O projeto de Serra não proíbe o medicamento, mas retira, na prática, a orientação geral, com poder normativo, para que o Sistema Único de Saúde (SUS) use a substância contra a covid-19.
O protocolo, segundo a assessoria de Serra, pode trazer consequências jurídicas, podendo vir a ser usado por pacientes para obter judicialmente o fornecimento do remédio, inclusive como parte de seguro de saúde privado.
Responsável
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentou ofício ao Ministério da Saúde pedindo a indicação dos responsáveis técnicos pelas orientações do uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com a covid-19.
O documento divulgado pela pasta incluiu o medicamento no protocolo de tratamento para os enfermos desde o início da infecção, e é assinado pelo ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello. A orientação anterior era de uso somente para os casos graves.
Segundo Alessandro, que assina o pedido de informações apresentado na quarta-feira (20) com os deputados federais Tábata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSN-ES), os atos administrativos devem ser firmados pelos agentes públicos responsáveis, “sobretudo quando se está diante de documento oficial da Administração Pública que indica tratamento medicamentoso sem eficácia comprovada”. Pazuello não é médico.
“Os princípios constitucionais que norteiam a administração pública, em especial os princípios da legalidade, impessoalidade e eficiência, impedem a adoção de políticas públicas contrárias ao pensamento técnico/científico estabelecido”, disse Alessandro, via Twitter.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou em abril documento em que reforça o entendimento de que não existem “evidências sólidas” da confirmação do efeito da cloroquina e da hidroxicloroquina na prevenção e tratamento da covid-19.
Assim como a OMS, que alertou que o medicamento não apresenta efeitos comprovados no tratamento nem na prevenção do novo coronavírus. Alessandro pede que esses argumentos sejam listados junto ao novo protocolo para auxiliar médicos e pacientes na formação de seus respectivos convencimentos para prescrição e uso ou não do medicamento.
Segundo o protocolo de uso divulgado pelo ministério, o médico terá liberdade para receitar a substância, e os pacientes que aceitarem fazer o tratamento com a cloroquina terão que assinar um termo de consentimento para o uso.
Repercussão
Em discurso na quarta-feira (20), o senador Humberto Costa (PT-PE), que é médico, lamentou que o governo federal nem sequer tenha esperado a divulgação de pesquisas feitas com usuários de cloroquina ainda no início dos sintomas da doença e que estão prestes a ser publicadas para mudar o protocolo de uso.
Ele lembrou que o medicamento não é inócuo e pode causar problemas cardíacos, alterações sanguíneas, crises convulsivas e até mesmo cegueira.
— Primeiro, o presidente da República não é cientista, não é médico, e não deveria caber a ele tomar essa decisão. Segundo, esse protocolo não saiu com o respaldo de nenhuma área técnica do Ministério da Saúde. Ele não tem a assinatura de nenhum técnico respeitado dentro daquele ministério.
E tudo que se acumulou até agora, especialmente estudos que foram feitos sobre a utilização do produto em casos graves, em casos avançados, com monitoramento dentro de hospital, e várias pesquisas de entidades altamente respeitadas internacionalmente não mostraram a eficácia dessa medicação para enfrentar a covid-19 — disse, durante a sessão plenária.
Humberto mencionou também nota da Sociedade Brasileira de Infectologia que declara que o uso da cloroquina contra a covid-19 “não apenas carece de evidência científica como é perigoso, pois tomou um aspecto político inesperado”.
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), líder do PT, a liberação da cloroquina é um ato político desprovido de amparo científico.
“O uso em massa da cloroquina autorizada pelo presidente Jair Bolsonaro, contra todas as recomendações de instituições médicas de renome internacional, é um ato de irresponsabilidade, é brincar com a vida dos brasileiros. São 18 mil mortes no Brasil, e ele tenta criar uma falsa expectativa.
Presidente, é preciso ter seriedade para resolver o problema da pandemia, não se esconder atrás de uma medida provisória para lhe proteger contra as mortes que o senhor vem provocando no nosso país”, opinou pelo Twitter.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) lamentou a medida:
“A cloroquina é propagandeada como uma poção mágica por charlatões: a saúde pública nunca foi exposta a tamanho risco com fins meramente eleitoreiros. A comunidade médica precisa reagir a esse crime de lesa-humanidade de Bolsonaro!”.
A exemplo de Alessandro Vieira, que pede o parecer de um médico a respeito da autorização ampla do uso da substância, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da minoria, também criticou o governo federal.
“Irresponsável! Sem qualquer comprovação científica, da cabeça dele, Bolsonaro alterou o protocolo da cloroquina. Quem prescreve remédio é médico, presidente tinha que governar! Mas o que esperar de um genocida? Irresponsável!”, tuitou.